Iniciei-me no mundo da música eletrónica, na vertente de produção, em meados de 2013; pelo menos de forma mais séria. Foi nessa altura que o projecto ZZY começou. Sempre tive interesse e entusiasmo pela arte e pela música, em geral, e ao descobrir o mundo da música eletrónica percebi que as possibilidades eram infinitas e, para além disso, encontrei na criação e produção musical um “porto seguro” onde podia expressar as minha emoções e tudo aquilo que estava a sentir. Eu já o fazia com palavras, eu escrevo poesia desde a minha infância, mas a música eletrónica abriu-me outros horizontes e essa descoberta surgiu na altura da adolescência, que foi uma fase muito difícil para mim, de isolamento, em que foi difícil conceber uma auto-imagem de mim próprio. Eu acho que a música eletrónica ajudou-me a preencher um certo vazio existencial e a encontrar conforto na liberdade de criação.
Entrevista ZZY

Sempre experimentei várias opções, eu não me confino e reduzo a um único género musical. O mundo é tão plural e repleto de diversidade, que para mim sempre fez confusão afunilar tudo isso num único estilo. Eu gosto de pensar e retratar a música, como se fosse uma palete cheia de cores e humores, que deambulam entre preto e o branco, ou seja, nada é definitivo e determinista, existe sempre espaço para explorar novas cores. E isso é uma sensação incrível, porque se à partida eu já tivesse tudo previamente delineado, o fator surpresa e a espontaneidade seria muito mais difícil de ser encontrado. Acho que a liberdade estilística foi sempre uma característica que esteve presente no meu projeto a solo, nunca me desvirtuei dessa essência e ainda hoje continuo a explorar novos estilos e a cruzar diferentes influências, porque nós enquanto seres humanos não somos lineares, temos diferentes estados de espírito, diferentes preferências, somos inconstantes e voláteis e acho que são essas singularidades que torna tudo mais bonito e irreproduzível.
Primeiro que tudo, acho que o meu estilo não se define somente à música ambient. É certo que é uma característica praticamente transversal a todo o meu arquivo sonoro, mas não se restringe a isso, até porque tenho registos mais experimentalistas e exploratórios, em que particularmente tenho alguma dificuldade em arranjar classificações, ou em enquadrar num determinado estilo. E eu tento, afastar esses pensamentos da minha arte, se pensarmos e refletirmos um bocado vemos que a humanidade, tem sempre a necessidade de arranjar e atribuir nomes às coisas, porque a indefinição e a incerteza pode ser algo assustador para nós. Quando encontramos um nome ou definimos um conceito, uma parte de nós fica saciada, satisfeita, porque possuímos mais certezas e menos indefinições; como se à medida que vamos descobrindo nomes e coisas, uma parte do vazio e do desconhecido vai-se preenchendo. Para além disso, as nossas dúvidas e interrogações vão sendo respondidas, encontramos conforto nas respostas e certezas; se eu me definir enquanto um artista de techno tudo fica mais fácil, porque encontrei uma estética, um lugar de conforto, tenho uma diretriz por onde me guio, que me serve como referencial. Mas eu sou da opinião que as coisas ficam mais interessantes quando estão indefinidas, a beleza está na incerteza das coisas para mim.
Mas voltando à questão incial, eu tenho músicas que são mais calmas, contemplativas e cristalinas; e outras que são mais sombrias e taciturnas, que roçam mais a cultura da bass music (neuro music, dubstep, idm, glitch). No entanto, eu não excluo outras possibilidades estéticas que ainda não explorei, nunca sei bem o que posso vir a incorporar nas minhas músicas. Mas provavelmente, se eu quisesse explorar uma sonoridade mais techno ou house, eu não o faria enquanto ZZY, mas sim com outro alter-ego.
O Deadmau5 foi um dos primeiros artistas que me foi introduzido quando comecei a ouvir música eletrónica. Então, eu posso dizer que fiquei em êxtase; nunca esperei que um dos meus ídolos de infância ouvisse e gostasse da minha música. Foi uma sensação indescretível, única, mas isso não me cegou e não me alienou da realidade. Eu não tenho por hábito focar-me muito nos elogios, nem nas críticas negativas, prefiro focar-me na minha arte e continuar a desenvolver novas ideias musicais. É isso que me move acima de tudo.
“Eu gosto de pensar e retratar a música, como se fosse uma palete cheia de cores e humores, que deambulam entre preto e o branco, ou seja, nada é definitivo e determinista, existe sempre espaço para explorar novas cores.“
Claro que é uma possibilidade e não é nada remota. Muito em breve, poderá acontecer algo do género, mas eu não gosto de fazer promessas, nem de me antecipar. O que vos posso dizer é que estou constantemente em estúdio a desenvolver e a criar novas músicas, novos experimentos sonoros. Fazer música é a minha paixão, é o que me dá alento num mundo que às vezes é difícil e sombrio e, acima de tudo é através da música que encontro um lugar de conforto que ajuda a aligeirar a minha estranhice, onde encontro alguma compreensão num mundo em que tantas vezes me sinto incompreendido e estrangeiro. Então sim, acho que podem esperar coisas novas e, enquanto, esperam sempre podem dar uma vista de olhos pelo meu perfil de soundcloud, que já conta com mais de uma centena de músicas.
Acho que o mercado da música eletrónica não é diferente de outros mercados, acaba por ser um reflexo da sociedade, não o vejo como um caso sui generis no que concerne a esse aspeto. E para mim, é dificíl falar de mercado, sem falar de cultura ou da sociedade, acho que estes encontram-se interligados de certa forma, relacionam-se entre si. Em termos criativos, eu acho que vivemos um bom momento, com muitos projectos interessantes, dos mais variados estilos, que se encontram espalhados um pouco por todo o país. A meu ver, falta é dar mais visibilidade a esses projetos, cuja qualidade para mim é notória, mas eu acho que essa responsabilidade é de todos, não há um único culpado. Tudo começa no início, é preciso incentivar os mais novos a ouvir música dos mais diferentes estilos, a ir ao teatro, ao museu e outras iniciativas culturais e do âmbito artístico. Ou seja, mais do que criar responsabilidade social, também é preciso estimular os mais novos a criarem uma ligação com a arte, porque o futuro é deles e os mais novos influenciam os mais velhos e vice-versa, nós somos todos mutuamente influenciados. Não se pode ver as coisas meramente no imediato, é preciso construir algo sólido e durável, no espaço e no tempo. E é importante estarmos expostos a diferentes estímulos, ouvir muita música do mais mainstream, ou mais ambíguo e alternativo. A minha resposta pode parecer difusa, ou que estou a fugir ao cerne da questão; mas é esta a leitura que eu faço no compêndio geral, eu acho que há muito espaço para melhorar, mas para isso é preciso que as pessoas queiram e estejam predispostas a consumir outras propostas musicais, e desta maneira eventualmente surgirão mais eventos, espaços de diversão noturna, galerias, associações e outros promotores culturais.
Existem tantos. É difícil mencionar só alguns, mas sigo atentamente o trabalho do Molecular, Dead End, Nigga Fox, XZCID, Delectatio e do Deepblue que foi um dos primeiros amigos que conheci no âmbito da música eletrónica e já chegámos a fazer música juntos. Em relação a futuras colaborações, eu não gosto de mencionar nomes, eu sou um pouco solitário no que diz respeito ao meu processo criativo e para colaborar com alguém acima de tudo eu tenho que desenvolver uma relação de empatia com essa pessoa, para mim isso é fundamental. Claro que em termos musicais também tem que existir alguma coerência entre ambos os projetos, mas eu prezo muito pelo lado pessoal, música também é sobre emoções e conectarmos com os outros, caso não exista essa conexão é muito difícil criar-se as condições para se desenvolver um projeto colaborativo.
O meu setup é muito básico e minimalista. Neste momento utilizo um portátil com o windows 10, e tenho usado o FL Studio 20 e o Ableton Live Standard para produzir. Recentemente, comecei a usar algum hardwere nas minhas produções, tenho um prophet rev2, um korg minilogue e um korg monologue (que até costumo usar mais para tocar ao vivo). No entanto não sou purista e, como tal, não sou apologista do 100% analógico; acho que quer o digital, quer o analógico têm características que lhes são próprias e apresentam diferentes possibilidades de se trabalhar o som, acho que a solução mais exequível é usar o melhor dos dois mundos. A nível de software e plugins tenho usado com mais frequência o Serum, FM8, zebra2, Absynth5, Reaktor6, Omnisphere e os plugins da waves e da fabfilter. Mas, mais importante que o equipamento, é a vontade incessante de fazer música, eu comecei praticamente com um pc + software + headphones e com o tempo fui adquirindo mais material que se ajustava às minhas necessidades. Não é mesmo necessário ter centenas de plugins e VSTis instalados. Eu prefiro trabalhar com meia dúzia de VSTis que conheço muito bem, do que estar constantemente a instalar e a comprar coisas que acabo por não utilizar. Mais importante do que a ferramenta em si é o conhecimento e a dedicação, pois só assim é possível aprimorar e desenvolver a técnica.
Em relação ao tempo que dedico à produção posso dizer que é bastante, todos os dias trabalho e desenvolvo novas músicas e ideias, nem todas veem a luz do dia, mas para mim o mais importante é continuar a desafiar-me e a aprimorar a minha arte e, nesse sentido, penso que tenho cumprido com o proposto.
Acho que quem está a iniciar-se na área da produção, em primeiro lugar, deve ouvir muita música, dos mais diferentes estilos, não só eletrónica. Em segundo e, não menos importante, para se ser um músico produtor/artista é preciso ter a mente aberta, e continuar sempre a estudar e a descobrir nova informação. A música eletrónica não está separada da tecnologia, bem pelo contrário, são linguagens que se intersetam e nesse sentido continua sempre a evoluir, logo o que é certo hoje, amanhã não será. Por isso é importante ter espírito crítico, ser curioso, audaz e gostar muito de música.
Claro, que sim: continuem a apoiar o Club Dj Portugal que é uma excelente iniciativa e que tanto tem contribuído para valorizar a nossa arte e isso só é possível com o apoio de todos. Sejam interventivos e dinâmicos, a vossa participação e o vosso contributo é muito importante que a música eletrónica em Portugal continue a crescer e chegar a outros lugares.