R: Olá a todos e desde já um agradecimento à 7Noites por este convite.
Acho que a arma mais importante é a paixão que sinto em pôr musica. Sem isso esta longevidade não teria sido possível. Esta vontade de divertir os outros e passar para uma pista ou uma sala esta nossa paixão não tem preço. Aliado a esse factor tudo o resto tem de acompanhar, como por exemplo o trabalho semanal no sentido de estar actualizado musicalmente e não ter barreiras auditivas previamente estabelecidas, para além do trabalho de estar sempre a par das novas tecnologias para que a performance seja sempre regular e de qualidade, tudo isto conta para que os desafios sejam superados ano após ano… e quando dei por mim já cá estavam 35!
Entrevista Nuno Cacho

R: Acho que é uma história recorrente nos DJs da minha geração. Primeiro tem de estar no sangue, depois tem de existir um ambiente familiar que te deixasse ir nesse sentido, pois há 35 anos ser DJ estava completamente fora dos padrões normais da sociedade. Eu comecei a pôr musica nas festas de garagem para os meus amigos, daí passei para as festas de finalistas do Liceu de Gaia e depois as Matinés, e quando tive oportunidade de fazer uma sessão inteira à noite numa discoteca perto de casa com autorização dos meus pais aos 16 anos agarrei-a. Nessa altura preferia sempre estar na cabine a ajudar o DJ nas luzes do que estar na pista a dançar, e sempre foi assim. Não me sinto muito à vontade longe da cabine!
Depois fui por aí fora, foram várias as discotecas que representei! Aos 18 fui viajar sem autorização e quando voltei fui para Lamego para a tropa de “castigo”, e foi nessa altura que conheci o António Cunha. Quando saí fui para Coimbra trabalhar na loja de discos dele e no Scotch. Nessa época ele, o Rui e o Tó formaram a Kaos e eu lá andei mais uns valentes anos em festas com a editora e todos os grandes nomes nacionais e internacionais. Todo esse percurso já é conhecido, por isso não vale a pena ser exaustivo.
R: Eu não sou saudosista, continuo a dizer que a próxima musica só faz sentido se for eu a escolhê-la, a máquina ainda não faz isso com o “feeling” de um ser humano, por isso tudo o resto que acresça à performance é bem-vindo. Antigamente, em vinil era obrigatório ter técnica para fazer o beat mix, mas perdia-se muito nas limitações existentes nas cabines ao nível de performance. Agora é tudo muito mais imediato, ganhas em tempo e em criatividade, podendo ter uma postura “retro” ou fazeres uma performance mais “recheada” de tecnologia. Depois, como tudo na vida, há os bons e maus. Não é por eu passar bem musica em vinil (que é a essência e todos os DJs apaixonados por esta arte deveriam saber fazer) que vou ser melhor do que um DJ que trabalha com o topo da tecnologia. Tudo tem de ser doseado. Não vou fazer um set de Soulful carregadinho de efeitos e cuts, mas numa performance de Hip Hop ou EDM, tal já faz sentido!
“A guerra do disco novo que nós, DJs, fazíamos nas lojas de discos era fantástica, pois sabíamos que tinhamos de ser os primeiros a passar aquela “malha” para o público nos acompanhar“
R: 1995 a 2002. Foram os anos dourados das Raves e do assumir da musica electrónica nas cabines dos principais clubes de Portugal. Havia festas todas as semanas de Norte a Sul do Pais, mas o mais importante era o público, exigente e crítico quanto baste. Saía para ouvir as novidades que o DJ trazia para a pista. A “guerra” do disco novo que nós, DJs, fazíamos nas lojas de discos era fantástica, pois sabíamos que tínhamos de ser os primeiros a passar aquela “malha” para o publico nos acompanhar. As viagens para comprar música diferente ao estrangeiro, o travar conhecimentos para podermos receber promos das editoras, o chegar a casa à segunda e ter lá um pack de discos novos enviados pelas “labels” e ficar a semana a estudar novas formas de comunicar com o público… Infelizmente, acho que esses dias nunca mais voltarão. O DJ era quase conhecido pelos discos exclusivos que tinha e que fazia render o mais possível para manter essa originalidade. O público premiava isso!
R: Eu sou assumidamente um DJ de House, mas nem sempre o fui. Nasci nos anos 60 e como tal passei todas essas culturas do Pop, do Rock, do Indie, do Disco, etc. No entanto, sempre disse que o House vai beber a todas as fontes musicais. Hoje em dia, o conceito de House Music está muito subvertido e sub-dividido, e é normal com tanta “musica” a sair, e com tantos edits, reedits, re-works, remixes, etc., é normal que este género já não seja entendido como nas décadas de 1990/2000. O meu conceito de Deep House é completamente diferente do conceito de Deep House do BeatPort, e como tal eu prefiro ser fiel ao meu gosto sem pôr um rótulo à musica nova que passo. Isso dá-nos 2 grandes trabalhos que podem servir como conselho: muita, mas muita pesquisa mesmo, e posteriormente ouvir com ouvidos de ouvir e dizer quais as músicas de que se gosta e quais aquelas de que não se gosta. Que mais se pode pedir a um DJ para além disto? Mas muitos vão dizer: Mas assim sendo, quando for pôr musica, ninguém me vai entender? As pessoas não conhecem as músicas? Aí a minha resposta é sempre a mesma: Façam com que as pessoas as conheçam porque aqueles temas que vocês passam, alguém teve de ser dos primeiros a arriscar, pois só assim vão ter personalidade no vosso trabalho. Posso dar um exemplo que não tem nada a haver com House… Noutro dia um jovem DJ abriu o seu set com o tema “Barbatuque dos Baianá”, e logo o comentário de toda a gente foi: “Pronto, lá está este armado em Menino do Rio” – Deu para entender, juventude?
R: É difícil porque nos últimos 10 anos o mais longe que fui pôr musica foi à Figueira e à Covilhã, e ainda algumas vezes a Coimbra, pois infelizmente com o mercado musical existente esta profissão está a tornar-se cada vez mais local. Não o consigo fazer numa palavra, mas acho que perdeu muito da magia que tinha.
R: Uma das histórias mais caricatas da minha carreira (e foram muitas mesmo!) fui quando saí de casa dos meus pais numa quinta-feira para ir pôr musica ao Stereo a Montreal (um dos melhores clubes do mundo na época) e liguei à minha mãe quando cheguei ao Canadá na sexta-feira e disse-lhe onde estava; ela ficou surpreendida mas aceitou. No dia seguinte, no sábado, liguei-lhe do Japão e ela disse-me “Ó filho, a mim bem me parecia que ontem estavas a brincar, como se isso fosse possível…”, e ainda hoje nos rimos desse episódio!
R: A minha carreira é sustentada em três pilares: Família, amigos e fans. Todos eles sabem que não é fácil, mas têm sido incansáveis no apoio e no criar de condições para que ao fim deste tempo todo eu ainda esteja no activo. Para eles todos um muito obrigado, não vou citar nomes pois eles sabem quem são!
Dois agradecimentos muito especiais: Um ao António Cunha por ter acreditado e outro ao Frankie Knuckles pela lição de vida que um dia me deu. Eu sei que ambos estão lá em cima a fazer uma grande festa!
A vocês, 7Noites, tenho a agradecer a oportunidade desta entrevista que me concederam e a todos que a estão a ler posso prometer uma coisa: Isto ainda não acaba por aqui!
WELCOME BACK TO A PARADISE CALLED PORTUGAL